O discurso feminista nos estilos rock, MPB e funk

Fragmentos do artigo O discurso feminista nos estilos rock, MPB e funk, de Rosana Monti Henkin e Marlon Leal Rodrigues, publicado na web revista Página de Debate: linguística e linguagem; edição n. 23; 2014.

Artigo completo:  http://www.linguisticaelinguagem.cepad.net.br/atual/Arquivos/henkin.pdf

Discurso feminista no estilo Rock

A artista de rock Rita Lee, autora da canção
A artista de rock Rita Lee, autora da canção “Cor de rosa choque”

Neste estilo, observa-se que o discurso feminista aparece de forma irreverente em diferentes sentidos, afirmando a força das mulheres, declarando a flexibilidade, a capacidade de resistência das mulheres, denunciando a necessidade de dissimulação que a ideologia machista impõe.

(1) Nas duas faces de Eva / A bela e a fera / Um certo sorriso / De quem nada quer…

(2) Sexo frágil / Não foge à luta / (3) E nem só de cama / Vive a mulher…

(3) Por isso não provoque / É Cor de Rosa Choque

(4) Mulher é bicho esquisito / Todo o mês sangra

(5) Gata borralheira / Você é princesa / Dondoca é uma espécie / Em extinção…

Flexibilidade – No enunciado (1)  o discurso identifica flexibilidade que as mulheres sempre precisaram exercitar para sobreviver à limitação que a sociedade machista impõe, oferecendo apenas duas opções, as quais não consideram toda a diversidade das mulheres enquanto seres humanos. As mulheres precisam se equilibrar entre essas opções.

A bela não significa apenas beleza plástica, mas a mulher comportada, que cumpre a função de gênero, a mulher que aceita o molde definido pela sociedade sem questionar, a mulher que cumpre a função social da reprodução do sistema no âmbito privado.

A fera representa aquela mulher que é feia perante os olhares machistas. É a mulher que não seria boa esposa, pois foge dos padrões comportamentais das mulheres, não aceita a dominação machista, não aceita viver em função das regras e das necessidades dos homens.

Ao mesmo tempo, o exercício de ser bela ou fera muitas vezes exige uma certa dissimulação, um indício de que está tudo como deveria ser, uma aparência de resignação frente à essa situação que não deve ser questionada.

Força – O enunciado (2) demonstra mais uma desconstrução das idéias machistas. O sexo feminino é considerado frágil para justificar a dominação e a exploração masculina, porém a maioria das mulheres cumpre uma tripla jornada de trabalho, dividida entre a produção e a reprodução da força de trabalho. Além das funções domésticas, as mulheres precisam tratar da sua sobrevivência, da sua realização profissional, e conciliar tudo isso com as necessidades da família.

Ruptura com o Patriarcado – O enunciado (3) revela a magnitude do feminismo enquanto movimento de resistência das mulheres. Culturalmente cor de rosa é a cor das mulheres, que significa a beleza, do romantismo, do amor terno e carinhoso, porém potencializado ao rosa choque simboliza respeito, dignidade, devoção, piedade, sinceridade, sensualidade, transformação.

A indignação das mulheres frente à dominação machista provocou uma transformação nas relações. Esse discurso declara que nem todas as mulheres são suaves, que a delicadeza depende da qualidade dos relacionamentos e que as mulheres reagem diante da opressão masculina exigindo respeito.

O enunciado (4) apresenta uma face que por milênios ficou escondida, um tema que rompe com o discurso machista da negação da sexualidade das mulheres. Uma das formas da dominação machista se dá por meio do controle da sexualidade das mulheres. O sexo das mulheres foi feito para a reprodução, e deve ser escondido, pois seu corpo pertence ao seu homem(marido, pai, provedor, protetor). Declarando que as mulheres menstruam, a sexualidade das mulheres deixa de ser um assunto privado. As mulheres passam a ser sujeitas de direitos sexuais.

Autonomia das Mulheres – No enunciado (5) vem à tona a exploração de classes que reforça a exploração machista. Mulheres burguesas exploram mulheres das classes pobres. Porém as políticas públicas implantadas nos últimos 30 anos incentivam a criação de mecanismos para a autonomia das mulheres, seja por meio e capacitação profissional, seja pela colocação no mercado de trabalho. Além disso, existe a proposta de economistas feministas que apresentam a economia solidária como alternativa para a superação da exploração capitalista.

O Discurso Feminista no Estilo MPB

No estilo MPB o discurso feminista revela-se afirmando o quanto as máximas que sustentam a ideologia machista são nocivas às mulheres.

(6) Não me venha falar / Na malícia de toda mulher / Cada um sabe a dor / E a delícia / De ser que é…

(7) Não me olhe / Como se a polícia / Andasse atrás de mim

(8) Você sabe explicar / Você sabe / Entender tudo bem / Você está / Você é / Você faz / Você quer / Você tem…

(9) Você diz a verdade / A verdade é o seu dom / De iludir / Como pode querer / Que a mulher / Vá viver sem mentir..

A Opressão das Mulheres – O enunciado (6) traz o discurso das artimanhas que supostamente as mulheres lançam mão para conseguir o que querem. Durante muito tempo as mulheres precisaram dissimular seus sentimentos e pensamentos para serem aceitas, por mais doloroso que fosse esse processo, uma vez que nas relações patriarcais a função das mulheres é servir aos homens.

O (7) traz o discurso da reprovação das manifestações femininas. Quando as mulheres rompem com as regras abandonando a obediência e a submissão, colocando-se como sujeitas de direitos, subvertem a ordem vigente e historicamente foram penalizadas por isso. São exemplos o episódio da caça às bruxas, na Idade Média, ou da condenação à morte de Olympe de Gouges, líder da Revolução Francesa, ao escrever a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”.

O sentido de (8) é que a crença na superioridade masculina impediu o protagonismo das mulheres, pois historicamente os homens ocuparam os espaços do saber científico, da política, da economia, ficando a mulheres sempre em segundo plano. Enquanto chefes e provedores da família, os homens tomavam as decisões, apoiados na suposta predisposição dos homens para a razão e das mulheres para a emoção. As conquistas do movimento feminista promoveram uma transformação na correlação de forças, modificando leis e abrindo espaço para a autonomia das mulheres.

No (9) o discurso feminista aparece questionando a autoridade masculina em definir o que é verdadeiro ou falso, o que mentira e verdade. Como os homens estão sempre com a razão, as declarações das mulheres são necessariamente mentirosas. O enunciador assume uma posição discursiva na medida em que deixa claro quem fala a verdade e quem mente. Por outro lado, percebe-se a crítica dessa mesma posição, colocando como ilusão a afirmação de que os homens sabem mais que as mulheres e por isso são donos da verdade e por isso exercem a sua autoridade.

O discurso Feminista no Estilo Funk

A artista de funk Tati Quebra Barraco
A artista de funk Tati Quebra Barraco, autora da canção “Boladona”

No estilo Funk o discurso feminista é confirmado por meio da prática do protagonismo, seja em relação às conquistas amorosas, à posturas sociais, à sexualidade.

(10) Na madruga boladona, sentada na esquina./ Esperando tu passar / altas horas da matina

(11) Com o esquema todo armado, esperando tu chegar pra balançar o seu coreto / pra você de mim lembrar

(12) Sou cachorra sou gatinha não adianta se esquivar / vou soltar a minha fera eu boto o bicho pra pegar

Protagonismo Feminino – Em (10) o sentido é da mulher independente, que vivencia as conquistas do movimento feminista. É aquela que toma atitudes, que exerce a sua sexualidade livremente e se impõe diante da sociedade. Sua inquietação não fica em segredo, mas manifesta na hora que bem entende.

Em (11) o discurso é da mulher que toma iniciativa quando está interessada num homem. Não espera ser conquistada, nem usa subterfúgios para seduzir.

Em (12) aparece o discurso da mulher bem resolvida, com auto estima elevada, que sabe de suas qualidades e não precisa esconde-las. Realiza uma relação de igualdade com o homem. Afirma sua sensualidade e sua sexualidade livremente.

Considerações Finais

A partir das análises feitas, foi possível constatar que nos diferentes discursos contidos nos estilos musicais apresentados, o discurso feminista aparece como afirmação da igualdade entre homens e mulheres, como crítica ao pensamento machista e como confirmação de um novo posicionamento das mulheres em sua relações com os homens, com os espaços de produção e reprodução do sistema, com os espaços de poder.

Nos discursos musicais analisados aparecem as mulheres que exercem seus direitos e que rejeitam a dominação sexista, mostrando a sua força e o seu protagonismo. Caem as máscaras que historicamente justificaram a dominação masculina, declarando mulheres conscientes dos mecanismos de dominação aos quais sempre foram subjugadas e dos quais se libertam. São mulheres que exercem sua sexualidade enquanto direito, que não se colocam como a parte frágil da relação porque se reconhecem protagonistas da e na história.

O feminismo, como acontecimento, destaca mulheres que conquistaram seu lugar no mercado de trabalho, em que pese a dominação/exploração capitalista, que disputam, mesmo que não em condição de igualdade, os espaços de poder, destacando fatos discursivos que revelam uma nova chave histórica, rompendo com a concepção de naturalidade da desigualdade entre homens e mulheres.

Autoria: Rosana Monti Henkin e Marlon Leal Rodrigues


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