Música pop, garotas adolescentes e a legitimidade das bases de fãs

One Direction

(Texto escrito por Brodie Lancaster e originalmente publicado no site Pitchfork, em 27.08.2015. Tradução por Ana Clara Ribeiro)

Não existe maior crime cultural que uma jovem garota possa cometer do que amar música pop sem desculpas. Para sempre marginalizada como a Beatlemaníaca, Directioner ou Swiftie gritante e chorona, as bases de fãs adolescentes femininas em 2015 estão mais poderosas e dignas de respeito do que nunca. Blogs, fóruns de fãs e outras comunidades online são refúgios para fãs dissecarem cada tweet ou performance que seus ídolos oferecem, e esses espaços são geralmente liderados por garotas. Elas exercem sua adoração coletivamente, exaltam os ídolos em mútua compreensão, e celebram tanto as bandas que adoram quanto umas às outras. Em espaços dominados por fãs, garotas adolescentes são as principais autoridades.

Mas seu poder tem data de validade, porque artistas pop só ganham respeito quando param de apelar para a demografia juvenil. Justin Timberlake e Beyoncé são duas das mais proeminentes faces disso e são provas da ideia de que há legitimidade e longevidade aguardando os artistas pop quando eles trocam seus prêmios Teen Choice por Grammys. É uma ideia tão prevalente que nós começamos a nos perguntar quem, nos novos grupos pop, será aquele que “vai dar uma de Timberlake” e deixar o grupo para tentar um sucesso respeitável. Aparentemente, as boy bands e girl groups – para não mencionar seus apaixonados fãs – que tornaram esses artistas famosos só possuem valor quando servem de trampolim para o próximo e melhor grupo de ouvintes. Eles são ensinados: largue as castas canções pop sobre amor não correspondido e sobre mãos dadas; e assim eles seguem para o tipo certo de fãs: adultos, homens. É assim que alguém se torna um artista, certo?

É ótimo que o quinto álbum de Taylor Swift, 1989, revelou-a para um novo e inesperado público, tornando o álbum popular entre antigos adultos avessos a Taylor, e proveu ao Saturday Night Live um momento para abordar a crise de identidade que sérios ouvintes de música viveram quando se descobriram gostando dela depois de anos recusando-se a ouvir seus trabalhos. Mas as garotas que passaram uma década inteira pendurada em cada palavra de Taylor Swift, acompanhando seu crescimento emocional e progressão musical através de blogs do Tumblr, não estavam esperando esse tipo de aprovação. Para levar Taylor a sério elas não precisavam de permissão vinda de uma review positiva feita a contragosto por um crítico de música, pois já a levavam à sério desde o começo.

Música pop é fundamentalmente baseada em fãs, e quando dizemos coisas como “fama gera louvor“, estamos ignorando um ponto: fama gera louvor sim, exceto quando essa fama é alimentada por uma fanbase (base de fãs) composta por jovens garotas. Quando a fama é guiada por uma abarrotada base de fãs meninas adolescentes imediatamente a fama é considerada falsa, temporária ou não merecida. Estamos sempre tentando encontrar uma razão para desconsiderar o valor de um produto popular – e populista – porque abraçá-lo cegamente significa que caímos na armadilha das pesquisas de mercado e das figuras do tipo Simon Cowell. A presença de garotas adolescentes oferece um barômetro útil: se elas gostam de algo, você pode ter a certeza de que esse algo não vale a atenção de um ouvinte de música sério.

Um ano antes de fazerem uma turnê de apoio aos Rolling Stones, a banda pop (influenciada pelo funk) de Manchester, The 1975, sequer lotava os pubs da sua cidade natal. E enquanto as eventuais e importantes bênçãos de gatekeepers como Zane Lowe e o jornal The Guardian ajudaram a banda com nichos menores, não foram os críticos que lotaram seus shows no Royal Albert Hall em questão de minutos. Foi a dedicada legião de jovens garotas, fãs da banda, que levou a The 1975 a deixar de ser uma banda local para se tornar pilar de grandes festivais, com mais turnês internacionais lotadas do que álbuns lançados.

Apesar da paixão e dedicação dos apoiadores da sua banda, o líder da The 1975 Matthew Healy é cuidadoso ao falar da mercurial ascensão da banda e de quem causou isso. “O que qualifica uma boy band, afinal? Se é a histeria da população de fãs do gênero feminino e ser cercado por elas em hotéis e fazer shows para casas lotadas, então nós somos uma boy band“, ele disse em 2014. Desde então ele tem distanciado a banda desta designação; fãs do gênero feminino são vistas como menos legítimas, logo, a adoração delas é um instantâneo destruidor de credibilidade.

O ponto crucial da ilegitimidade de garotas adolescentes é a presunção de que elas são incapazes de possuir o pensamento crítico que os seus homólogos masculinos e mais velhos possuem no que diz respeito às suas bandas favoritas. Mas essa presunção realiza um verdadeiro desserviço.

Recentemente neste ano de 2015, fãs do One Direction se uniram para chamar a atenção para a faixa “No control”, do álbum de 2014 “Four”, que as fãs acreditavam que mereciam mais atenção do que outros singles açucarados que eles haviam lançado até agora. “Em vez de músicas que mostrariam a maturidade e o crescimento no som do 1D [abreviação de One Direction], nós tivemos ‘Steal my girl’ e ‘Night changes'”, diz Lynn Martineau, uma das três fãs creditadas no lançamento de “Projeto: No control” no Thunderclap, uma plataforma no estilo flashmob criada para reunir e amplificar mensagens de campanhas pelas mídias sociais. “São duas ótimas canções, mas são estereotipadas e soam exatamente como o estilo ‘música pop de boyband‘ que o 1D sempre lançou”.

As fãs sempre quiseram mais, e quando o 1D anuncionou que os próximos singles seriam lançados após a saída do integrante Zayn Malik em abril, elas decidiram que iriam fazer valer seu poder. E valeu a pena.

“‘Projeto: No control’ é a quinta maior campanha da história da plataforma Thunderclap, e a única no Top 5 do Ranking que não obteve o apoio de uma celebridade ou patrocinador”, diz Lynn, antes de despejar algumas estatísticas impressionantes: “O objetivo original era ter 500 apoiadores, depois o objetivo passou a ser ter a canção incluída no setlist da banda”. O projeto obteve 34.449 apoiadores depois de seis dias, e o One Direction cantou a música “No control” pela primeira vez em junho, em uma show em Bruxelas. No início de agosto de 2015, Lynn a viu ao vivo quando a banda trouxe a turnê On The Raid Again à cidade Baltimore.

Em maio de 2015, a Billboard relatou que a faixa obteve 1 milhão de streams nos Estados Unidos na semana que terminou em 17 de maio, e as vendas foram de 1.674 por cento a 5.000 downloads. A banda falou do projeto no Billboard Music Awards e durante a sua apresentação no programa The Late Late Show. Na semana passada (16.08.15), “No control” rendeu à banda um Teens Choice Awards por Melhor Canção Festiva. Tudo isso porque uma base de fãs apaixonada e predominantemente feminina foi observadora o suficiente para identificar: a) que a reputação crítica da banda não iria mudar por si só; b) a amplificação necessária para lançar uma nova faixa.

Elas não queriam apenas consumir a música da banda; elas queriam controlar o que estava no menu. “Fãs começaram a dar de presente a música no iTunes, e tweetar sobre ela constantemente. Elas vieram com listas de estações de rádio para ligar e tweetar”, explica Lynn. Elas jogavam a música no Shazam e a tocavam loucamente no Spotify, vendo-a subir 1.348 posições na parada do iTunes em apenas dois dias. Nick Grimshaw, apresentador do programa Breakfast Show da BBC Radio 1, disse que esse esforço era como ver “o movimento punk todo outra vez; lançamentos do tipo faça você mesmo“. “Tudo isso porque uma estudante universitária de Londres chamada Anna falou aos seus seguidores do Tumblr como seria ótimo se a base de fãs se unisse por um objetivo central, em uma postagem agora legendária que foi marcada como #desculpe é só uma ideia boba achei que poderia ser legal.

“Ao caçoar dessas garotas e rir de quão estúpidas são as coisas que elas gostam sejam lá quais forem, estamos dizendo que essas jovens mulheres e seus interesses são menos importantes do que o que os homens gostam”, escreveu Sandra Song na Pitchfork anteriormente nesse ano de 2015, e que “seus sentimentos são de alguma forma descreditados e não são ‘reais’ devido à pessoa que os sentem”.

O senso comum sobre fãs do gênero feminino é que elas são consumidoras rápidas, ansiosas por engolir qualquer coisa que surgir sobre as bandas. Elas estão ativamente desafiando essa percepção em seus próprios termos, mas estão fazendo isso em suas esferas fechadas, longe do barulho branco do mundo que presume que elas não apreciam – ou não são capazes de apreciar – música pelos “motivos certos”. Nessas comunidades seguras, seus gostos não são irônicos ou irrelevantes, e elas não ganham pontos de credibilidade por darem minutos de fama a um artista pop.

“Nós estamos todos nesse segredo”, escreveu certa vez a  crítica Hazel Cills sobre Lana del Rey. “A ideia de que pop stars não possuem equipes por trás deles, de que eles são os únicos autores de suas músicas, de que não há ninguém personalizando seus estilos – estas são noções antiquadas em 2015.”

As fãs sabem o que acontece por trás das câmeras para seus artistas preferidos, assim como sabem que são notadas. Mas o que você não notará a menos que preste muitas atenção, é que as fãs conseguem se envolver criticamente com o que a música “Girl Almighty” (do One Direction) fala sobre elas com as mesma prontidão com que conseguem se esgoelar pelo rosto adorável de Niall Horan ou um momento especial na música “Better than words”. Presumir que as fãs estão comprando álbuns, indo a shows, desenvolvendo universos elaborados nas fanfictions que escrevem, cultivando debates inclusivos, fazendo todas essas coisas simplesmente por fazer, não dá a elas um nível de crédito nem próximo do que elas já mostraram que merecem.


Não se esqueça de citar o autor ou intérprete da canção escolhida ou o autor do texto encontrado aqui se for citá-los em seus trabalhos escolares, artigos, pesquisas ou qualquer produção escrita em que o nome das músicas for citada! Dê os devidos créditos aos criadores das obras.  🙂

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